13 dezembro 2019

AS CRIANÇAS VÊEM O EVIDENTE

Costumo contar uma história da minha filha, de quando era bem pequenina. 
Uma senhora fez-lhe uma pergunta muito idiota. 
“De que raça és tu?” Ela não entendeu. Não tinha sequer o conceito de raça. A senhora tentou corrigir a pergunta, errando ainda mais.
“De que cor és tu?”
A minha filha olhou muito espantada.
 “Mas tu não vês que sou uma menina?
As meninas são pessoas. As pessoas têm cores diferentes. A minha língua é vermelha, os meus dentes são brancos, o meu cabelo é castanho.” 
Temos todas as cores. 
É preciso uma criança de quatro anos para dizer o óbvio.


Palavras do escritor e poeta angolano, 
que completa hoje, 13 de dezembro, 59 anos.



Sendo a sua obra maioritariamente para adultos, também escreve para crianças.

Venceu a primeira edição do 
Prémio Manuel António Pina, 
com o livro
A Rainha dos Estapafúrdios.

Um prémio que o autor deseja que seja 
de incentivo e promoção à literatura infantil.


" - Que coisa és tu? - perguntou a hiena, cheirando-a.
Ana tremia tanto que mal conseguia piar:
- Vais comer-me?
- Não sei - confessou a hiena. - Primeiro tenho de saber que coisa és tu. Não como objetos não identificados.
A perdigota encheu o peito com o ar frio da noite, endireitou com uma rápida sacudidela a única e luminosa pena sobre a nuca, e proclamou:
- Sou Dona Ana I, a Rainha dos Estapafúrdios!
- Estapa-o-quê?
Estapafúrdios. O meu país, o Reino da Estapafúrdia, fica muito longe. Viajei durante semanas às costas de uma cegonha, a Cegonha-Real, até chegar aqui.
- Eu chamo-me Clarinda - apresentou-se a hiena.
- E o que fazes tão longe de casa?
- Caço. Ando à caça de leões.
- Leões?! - a hiena riu-se (...) - Tu, com essa magra figura, Dona Ana I, tu caças leões?
Ana estufou o peito ainda mais. Engrossou a fraca voz:
- Matei todos os leões que havia no Reino da Estapafúrdia. Matei-os à bicada e à pontapata. Por isso tive de viajar para tão longe. Eu matava pelo menos um leão antes do almoço, e mais dois logo a seguir."

Ilustração Danuta Wojciechowska

Convidamos-te a vires à Biblioteca Municipal, 
com os teus pais e avós, onde encontram literatura de José Eduardo Agualusa para toda a família.









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